Descrição de chapéu Todo mundo lê junto

A escolha sobre como seremos extintos é nossa, diz Yuval Noah Harari

Autor de 'Sapiens' lança livro para crianças e dá entrevista à Folhinha

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São Paulo

Yuval Noah Harari é um professor de história e filósofo nascido em Israel. Há quase uma década, ele publicou um livro que ficou famoso no mundo todo, "Sapiens", e foi indicado até por Mark Zuckerberg, criador do Facebook, em um clube de leitura.

Pensando no livro que gostaria de ter lido quando era criança, Harari decidiu então que escreveria também para pessoas que ainda não se tornaram adultas. O tema? Seu assunto favorito: o Homo Sapiens e como ele (nós, né?) chegamos aqui.

Ilustrações de Ricard Zaplana Ruiz para o novo livro de Yuval Noah Harari - Divulgação

Nasceu assim "Implacáveis - Como Nós Conquistamos o Mundo", que teve o primeiro de quatro volumes lançado este mês no Brasil. A Folhinha conversou sobre o livro com o escritor.

Você achou difícil escrever para crianças?

Foi uma das coisas mais difíceis que já fiz. Quando você escreve para adultos e não tem certeza de alguma coisa, você pode meio que "dar uma enrolada" usando frases longas, palavras complicadas, e ninguém sabe muito o que você quer dizer, e está tudo bem porque eles provavelmente vão achar que você é mais inteligente que eles.

Só que, com crianças, você precisa saber exatamente do que está falando, senão não pode escrever de um jeito simples e compreensível. Isso me forçou a pensar muito melhor sobre as ideias que eu queria apresentar. Além disso, também temos muitas ilustrações, o que também me forçou a ser "concreto".

Tipo: quando falamos de neandertais, e você não tem muita certeza de como era a aparência deles, você simplesmente não os descreve. Mas, quando você tem que desenhá-los, você precisa pesquisar sobre o que sabemos sobre qual cara os neandertais tinham.

Você diz no livro que uma das principais características que alguém tem que ter quando resolver ser cientista é não se importar em não saber todas as respostas. Por quê?

O mais importante é estar confortável com a ignorância, com o não saber. Você não sabe algo, vai pesquisar a respeito, e às vezes pesquisa por muitos anos, e ainda assim não sabe a resposta. Isso é parte de ser cientista. Essa situação de incerteza e de só saber parte das respostas.

Tem algo que você não saiba, mas gostaria muito de saber?

Muitas coisas. Por exemplo: li muitos estudos sobre a relação entre homens e mulheres, meninos e meninas, e me pergunto por que em muitas sociedades do mundo todo os homens dominaram as mulheres por milhares de anos. Acho que não temos uma boa teoria ainda.

As mais comuns falam sobre o homem ser fisicamente mais forte, o que não faz sentido, porque muitas vezes o poder social não corresponde ao poder físico. O papa não é o católico mais forte do mundo, por exemplo. Não se faz uma partida de boxe e o competidor mais forte é eleito o papa, não é assim que funciona. Vocês no Brasil vão ter eleições agora, e não é em uma luta física que se escolhe o vencedor.

Quanto às habilidades sociais, muitas pessoas pensam que as meninas e mulheres são superiores nisso, enquanto os homens tendem a ser mais auto centrados e menos dispostos a cooperar e se importar com os outros. Mas, se essa fosse a chave do poder entre os seres humanos, o que explicaria a dominação masculina?

A resposta é: ainda não sabemos. E, em ciências, está tudo bem dizer "não sei". Nas religiões, acontece de as pessoas terem tanto medo de admitir que não sabem algo que acabam inventando coisas e mitologias. Mas nas ciências isso é ok.

Do que nossos ancestrais morriam?

Eles tinham pouquíssimas doenças infecciosas. É interessante descobrir que pandemias são coisas recentes na história, era algo que não existia na Idade da Pedra. Eles viviam em grupos pequenos de umas 50 pessoas que se mudavam o tempo todo, o que significa que, mesmo que você pegasse uma doença, não infectaria muitas outras pessoas. As epidemias começaram com a agricultura, quando começamos a ter muitas pessoas e muitos animais domesticados vivendo juntos em um lugar permanente.

Uma das ilustrações de 'Implacáveis' - Divulgação

Eles podiam morrer caindo de uma árvore, por exemplo. Ou, se fossem à floresta procurar por cogumelos, eram comidos por um tigre ou picados por uma cobra. Eram perigos da época, e que moldavam o jeito que as pessoas tinham que ser: atentas o tempo todo. Hoje, nós não prestamos atenção ao que acontece agora.

Mesmo quando comemos, não prestamos atenção à comida porque estamos vendo uma tela ou algo assim. Na Idade da Pedra, você tinha que ser muito atento.

Hoje em dia os seres humanos discordam e brigam por coisas como a cor da pele, as religiões, a política. Pelo quê nossos ancestrais brigavam?

Não sabemos se eles tiveram guerras na Idade da Pedra. Sabemos que houve violência porque temos evidências arqueológicas. Esqueletos com fraturas feitas por instrumentos criados pelo homem, ou mesmo feridos por flechas. Mas são vítimas isoladas. A primeira evidência que temos de violência grupal vem de 13 mil anos atrás, do lugar onde hoje é o Sudão. Eles brigavam, mas provavelmente não por algo que acontecia do outro lado do mundo, ou por causa de deuses, mas talvez por propriedades ou relacionamentos.

Com o tempo, as pessoas começaram a brigar por causa das histórias nas quais elas acreditavam. E as maiores guerras da história não foram por território nem por comida. Na época da Segunda Guerra Mundial, por exemplo, havia comida suficiente para os alemães, para os ingleses, os franceses. Mas eles tinham histórias diferentes em mente, e brigaram por isso.

No meu país, em Israel, nossa briga não é por território, tem terra suficiente para todo mundo, mas as pessoas têm histórias diferentes na cabeça e não conseguem concordar. Um lado diz que Deus deu a eles toda aquela terra, e o outro lado diz que foi para eles que aquela terra foi dada. Eles não concordam e brigam.

O livro mostra que várias extinções foram causadas pelos humanos. Nós também seremos extintos?

Se fizermos más escolhas, poderemos desaparecer nas próximas décadas como resultado de uma guerra nuclear ou alguma catástrofe causada pelo homem. Temos tecnologia para criar epidemias artificiais que poderiam acabar com a humanidade.

Mas, se fizermos melhores escolhas, podemos até ser extintos, mas vai demorar mais, não vai ser violento, e vai ser o resultado não de nós nos matando, mas nós nos modificando. Pode ser um retrocesso ou um avanço, a escolha é nossa.

TODO MUNDO LÊ JUNTO

Texto com este selo é indicado para ser lido por responsáveis e educadores com a criança

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